EXperimentações Cinematográficas + Plataforma Estado da Dança: críticas

20 setembro 2010

"Com o intuito de disseminar e debater, de várias maneiras, a dança paulista, o TD-Teatro de Dança, instituição da Secretaria de Estado da Cultura, gerido pela APAA - Associação Paulista dos Amigos da Arte, estabelece programas diversos, onde o todo da dança possa ser contemplado, em ações que articulam a difusão da obra de arte e a formação de público.
Dentro destas metas, foram concebidas as ―plataformas estado da dança, a segunda delas realizada de 01 a 12/setembro/2010, com foco nas estréias resultantes do PROAC 2009, edital estadual/novas produções. Durante duas semanas, curadores e programadores assistiram os programas junto às platéias e três profissionais: dança – Sofia Cavalcante, música – Cid Campos e artes plásticas – Marcos Gallon, acompanharam os espetáculos, escrevendo sobre eles."
Abaixo, seguem as observações dos três profissionais sobre "EXperimentações Cinematográficas ou o que você faz quando todas as imagens do mundo não cabem em uma idéia?"




















Sofia Cavalcante
“O que você faz quando se está fora do lugar? Quando o corpo parece não ter cabimento?”
Esta pergunta é respondida, ou ilustrada, ou ambas as coisas, numa enorme cena em que as criadoras Mariana Sucupira e Maristela Estrela, procuram caber dentro de vários módulos de madeira, de diferentes formatos montados como uma estante quadrada ao longo do trabalho a partir de peças que antes eram elementos de uma sala, de um estúdio ou de um cenário. A beleza dos gestos e das intérpretes tentando adaptar-se e compor com suas formas tornam esta parte extremamente sedutora, assim como a qualidade da movimentação.
Mas o apelo mais importante vem de sua engenhosidade - tanto pela literalidade, ou corporalidade da resposta ao ―caber‖ do cabimento, como pelo momento em que acontece dentro do espetáculo, após a apresentação dos criadores do trabalho, as duas bailarinas e o músico Ramiro Murilo, e a narração de suas histórias e inquietações (reais e /ou fictícias) e seus planos opostos para a criação de um filme. Após cenas muito bem ordenadas em que as bailarinas evoluem em diferentes espaços que montam e desmontam no palco: tapetes de grama, corredor de taco. E antes de um final belíssimo envolvendo uma dança que Mariana Sucupira realiza descalça e com um vestido estilo 50 sobre o corredor de tacos soltos, no final.
Como outros trabalhos da II Plataforma Estado da Dança o tema das Experimetações Cinematográficas discorre sobre o fazer dança, com perguntas e depoimentos sobre cinema, sobre imagens e idéias, na pergunta do título: ―O que você faz quando todas as imagens do mundo não cabem em uma idéia?”.
Essa dúvida imediatamente me lembra uma célebre conversa entre o pintor Edgar Degas e o poeta Stéphane Mallarmé narrada por Paul Valéry em Degas, Danse , Dessin. Degas comenta com Mallarmé a sua dificuldade em escrever um soneto afirmando que tinha muitas idéias para poemas, mas não conseguia escrever nenhum. Ao que o poeta respondeu: “Não é com idéias que se faz um soneto, mas com palavras.‖ A afirmação é muito difícil diante da realidade atual da produção artística brasileira apresentada no início por Maristela Estrela, pois você precisa ter boas idéias e escolher uma muito boa para conseguir começar a tocar um projeto. Mas essa idéia pode ter o mesmo estatuto da palavra, do gesto, do movimento, da trilha, do elemento cênico e entrar como elemento da trama que, no caso deste espetáculo, é muito bem sucedida.


Cid Campos
Entre a dança e o cinema, o espetáculo se desenrola através de gestos, movimentos, narrativas e projeções, numa conjunção intermidiática destas linguagens.
Um texto em off, traz a voz do autor da trilha sonora do espetáculo, apresentando-se ao público como músico, bailarino e físico – ―nessa ordem!‖, colocando de forma bem humorada a dúvida que permeia as suas escolhas. A história das duas bailarinas que estão em cena também é narrada, pelo locutor e mais tarde por elas próprias, remetendo ao caminho percorrido por elas na dança, à dificuldade em definir o fazer artístico e os percalços de suas trajetórias – ―um trabalho para a vida toda” ...
O cenário, que se transforma durante o espetáculo, se divide inicialmente entre uma sala com uma grande estante e um canto preenchido por tacos soltos, dando a idéia de um caminho que se constrói e se destrói ao ser percorrido.
A trilha sonora é cinematográfica, com nítidas referências ao jazz cigano de Django Reinhardt, podendo-se também detectar algo de Wood Allen e outros que devem certamente ter inspirado o desenvolvimento do trabalho. Música, narrativa e dança conectam-se de forma sutil e muito bem humorada.
A narrativa passa do off para cena e vice versa, com fluidez, criando uma dinâmica muito interessante entre diálogos ao vivo ou em playback.
Num monólogo e ao mesmo tempo com os pés encaixados num bloco de gelo, a bailarina se equilibra, derrapa, desconstrói, numa constante e quase impossível tentativa de manter-se em pé sobre tal plataforma, fazendo com que o improviso de seus movimentos retratem as incertezas que permeiam a busca interdisciplinar proposta.
A estante passa a ser utilizada como uma plataforma de escalada, na qual cada bailarina encaixa seu corpo nos nichos das prateleiras, como quadros cinematográficos, explorando as diversas possibilidades, descobrindo os seus respectivos espaços e criando uma dimensão não gravitacional, dando uma impressão de que o piso está na parede/estante, causando um efeito cinematográfico. O som de um cello combinado a um canto-falado em inglês, embala as bailarinas e o público, que se vê envolvido pela plástica da construção cênica.
Um filme clássico é projetado em um módulo da estante, fazendo mais uma vez referência ao cinema e à questão que permeia todo espetáculo: dançar ou fazer cinema? Será mesmo necessário fazer uma escolha?
O caminho de tacos vai sendo desmanchado pelo movimento de uma das bailarinas. A trilha sonora remete aos clássicos de cinema. Um percurso que envolve quedas e novas tentativas de prosseguir, como acontece na dança, no cinema, na arte. Um sonho que se esvai para começar outro.


Marcos Gallon
“Experimentações cinematográficas ou o que você faz quando todas as imagens do mundo não cabem em uma idéia?” aborda o conflito, a desordem e as imperfeições de um corpo em constante conflito com o espaço, criando um campo de forças entre realidade e representação, emoção e abstração. Na ação, Mariana Sucupira e Maristela Estrela canalizam forças que produzem um efeito imediato no sistema nervoso do observador que se identifica com vários dos conflitos das personagens. Para isso, as intérpretes escolheram questões amplas e universais, que se referem ao homem comum. Talvez isso ocorra pois as sensações ligadas à elas não dependem essencialmente de um contexto familiar, elas circulam soltas na memória como um espaço de reorganização de ações e de seus contextos. Os estados físicos sugeridos em Experimentações Cinematográficas remetem a cenas de filmes dos anos 1990, como a que Maristela, em total blackout, se desloca lentamente sobre tacos de madeira. Ou na seqüência em que ambas as artistas se movimentam dentro de caixas de madeira.
Para criar um bom trabalho você precisa ter muitas idéias, ótimas idéias. Elas podem ser originais ou plagiadas. As frases acima integram parte de um texto que Mariana Sucupira apresenta logo no início da peça. Experimentações Cinematográficas aborda questões relevantes na vida atual, apresentando um conjunto muito bom de idéias que, plagiadas ou não, foram muito bem editadas por duas ótimas artistas. O que mais seria necessário para um bom trabalho de arte?

Artes Visuais: Marcos Gallon é formado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. Como bailarino e coreógrafo trabalhou em várias cias. de dança em São Paulo. Em 1997, muda-se para Berlin, na Alemanha, onde desenvolve vários projetos de dança contemporânea junto a diversos grupos de dança e performance da cidade. Retorna ao Brasil em 2001. Nos anos de 2003 e 2004 desenvolve o projeto Corpo de Baile, coletivo composto por bailarinos, performers, designers, atores e artistas visuais. Em 2005, cria juntamente com a Galeria Vermelho o projeto Verbo
Dança: Sofia Cavalcante é bailarina, professora, coreógrafa e diretora, mestra pela Faculdade de Filosofia da USP, cujos estudos orientaram seu trabalho cênico e pedagógico. Dirige juntamente com Eliana Cavalcante o Núcleo Passo Livre e o Espaço Cariris. Além dos espetáculos, o Núcleo e o Espaço também realizaram e produziram o 1.o FestiVaia e dois Camelódromos Culturais. Em 2008 foi coordenadora de equipe do Projeto Dança Vocacional da Prefeitura de São Paulo. Fundadora do Movimento Mobilização Dança.
Música: Cid Campos é músico, compositor e produtor musical. Seus cds autorais são “Poesia é Risco” (1994) - em parceria com Augusto de Campos, “Ouvindo Oswald” (1999), “No Lago do Olho” (2001), “Fala da Palavra” (2004) e “Crianças Crionças” (2009). Desde 1992 realiza as suas produções musicais em seu estúdio (MC2 Studio). Através da tecnologia de ponta dos computadores, sintetizadores e também instrumentos acústicos, tem dado continuidade ao seu trabalho sobretudo na área da experimentação musical, ligada à poesia, vídeo, dança e documentários.


foto: Vitor Vieira
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